quinta-feira, 3 de junho de 2010

Encontrado corpo do filho do deputado Paulo Teixeira

O corpo de Pedro Yamaguchi Ferreira, de 27 anos, filho do deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP), foi encontrado na tarde de hoje no Rio Negro, a 40 quilômetros do município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Pedro trabalhava na Pastoral Indígena e estava desaparecido desde terça-feira (veja posta mais abaixo). Ele morreu afogado. A família rezará uma missa neste final de tarde no local. O traslado do corpo deve ser feito amanhã.

Abaixo reproduzo discurso feito por Pedro durante missa antes de sua despedida de São Paulo antes de embarcar para o Amazonas. O texto está publicado no blog de seu pai.

Queridos familiares. amigos e amigas. Em primeiro lugar, quero dedicar essa missa a minha madrinha Glaucia, que nos deixou há uma semana. Tenho um sentimento de que ela vai olhar por nós e alegrar um pouco mais o céu. As maiores lembranças que tenho dela são o seu sorriso e sua luta pela causa ambiental. De alguma forma, sinto que posso dar seguimento ao que ela tanto ensinava como geografa e professora. Essa missa é em memoria dela.

Quero agradecer a cada um de vocês pela presença nesta noite, isso representa muito pra mim e me dá muita força para seguir a caminhada. Celebramos hoje, na Igreja da Boa Morte, a vida, a esperança de dias melhores.

Sei que não estamos reunidos esta noite por mim apenas: todos os que estão aqui querem um mundo melhor para si; para seus filhos. Todos queremos paz, alegrias, amizade, justiça. Este encontro serve para renovarmos nossos sonhos.

Agradeço de forma especial as pessoas que prepararam com tanto carinho essa missa: a Marcelo da Pastoral da Juventude, a Pe Valdir e dona Vera, a toda a comunidade alianca da Misericordia, nas pessoas de Pe Enrico e Antonelo, ao pessoal da banda e a todos e todas que permitiram que esta noite acontecesse. Pe Valdir, aliás, que foi o pai desta minha ideia de ir pra Amazânia. Desde fazer contato com o bispo de São Gabriel da Cachoeira, até falar com todos os padres e irmãs para que autorizassem meu envio. Muito obrigado por toda a ajuda, Pe Valdir.

Quero saudar meus amigos da alianca da misericórdia. Por ceder essa igreja, que é vossa casa.

Saibam que vocês têm enorme influência na minha vida e nessa minha decisão: desde o primeiro momento, quando conheci um montão de jovens que moravam na favela do moinho e faziam pastoral carcerária, logo fiquei encantado com o que vi.

Eram jovens dedicando suas vidas a melhorar a realidade dos mais marginalizados: os moradores de favelas e os encarcerados.

Nas muitas vezes que estive com eles, sempre me identifiquei com aquela vocação e sentia alguma coisa arder mais forte no meu peito. Sabia que faria algo parecido.

Vocês vivem a solidariedade na essência na palavra, vivem pela causa social com compromisso e verdade.

Parabéns e muito obrigado pelo exemplo.

Quero abraçar todos meus familiares. Meus tios e tias, pais e mães pra mim, e meus irmãos. Meus primos e primas, que são meus outros irmãos e irmãs. Carrego voces no coração, assim como carrego a lembrança de meus quatro avós, os quais tive a enorme felicidade de conhecer e conviver. Sinto que eles estão comigo. Sempre os senti por perto e sei que eles nos protegem. Dedico também a eles minhas alegrias.

Brindo com todos meus amigos e amigas, da rua, de colégio, de faculdade, das lutas, da vida. Pela amizade e companheirismo. Obrigado por me ensinar. Espero que nossa amizade possa ser preservada e se fortalecer ainda mais, nos sentimentos de solidariedade com os outros, no amor pelo país, na luta por mais igualdade social, autonomia e liberdade das pessoas e tolerência com as diferenças. Tamo junto!

Aos amigos dos meus pais, que se tornaram meus amigos. Obrigado por todo exemplo de luta e dedicação a uma militância que exigiu muito tempo do lazer e conforto de vocês e de suas famílias. Carrego vocês comigo também! Muito obrigado pela presença.

Agradeço o carinho dos amigos de Carlos de Foucalt. Obrigado pela amizade e acolhida. Terei mais oportunidade de conhecer os ensinamentos de Foucalt. De alguma forma, já me sinto muito influenciado por essa espiritualidade, desde minha infância, através de meus pais, e agora, por todo esse processo da minha decisão, quando estive rodeado por vocês. Muito obrigado.

Quero agradecer, de forma muito especial aos meus queridos amigos e amigas companheiros de Pastoral Carcerária. Obrigado pela oportunidade que me deram, por confiarem e apostarem em mim. Pela amizade e paciência que tiveram comigo. E, sobretudo, pelo exemplo de fé e compromisso com a causa carcerária e humana. Vocês são verdadeiros guerreiros, pessoas iluminadas. Faltam palavras pra descrever tudo o que vivi nestes 3 anos de Pastoral. Quero, do fundo do coração, agradecer a oportunidade de ter compartilhado com vocês momentos dos quais nunca esquecerei. A presença missionária dentro da Pastoral influenciou a minha escolha. Carrego vocês, os presos e as presas, comigo. Que tenhamos dias melhores, em que nossa sociedade respeite os direitos dos cidadãos presos. Muito obrigado!

Aos meus queridos pais, também faltam palavras. Obrigado pelo exemplo, por nos ensinar a olhar pelo outro, a ter consciência do mundo em que vivemos, a lutar por nossos sonhos. Muito obrigado por serem parceiros comigo e com meus irmãos em nossas investidas, em nossos projetos.

Amo muito você, pai e você, mãe.

Aos meus queridos irmãos, todo meu amor e amizade. Vocês são pessoas especiais pra mim, trazem mais energia pra minha vida, são minha sustentação.

Espero estar tão perto de todos vocês mesmo estando longe. Carrego vocês nesta luta. Desde já peço perdão pelas vezes que precisarem de mim e que estarei ausente. Obrigado pelo apoio.

Essa minha decisão de viver essa experiência na Amazônia é fruto do convívio com a realidade dos cárceres e a realidade social em sua forma mais cruel, o lado B de nosso País: o País dos esquecidos, dos humilhados. Pude estar em contato com a miséria da miséria, a injustiça, a segregação social e racial, a dor, o esquecimento. Ter visto de perto situações desconhecidas pela maioria das pessoas, ter conhecido um País que ainda maltrata seus cidadãos, tudo isso me despertou pra necessidade de luta, de trabalho para a profunda transformação dessa realidade.

De forma geral, vejo os poderes de Estado ainda muito elististas. Não conhecem de verdade a realidade de seu povo, a pobreza, a falta de dignidade e cidadania que sofrem milhões de cidadãos, não conhecem os cárceres. Mantêm-se distantes daquilo que deveria ser a essência de seu trabalho: o bem comum do povo, sobretudo daquele que mais necessita das instituições para a garantia de seus direitos. Privilegiam o status, o poder, as facilidades materiais em detrimento dos direitos fundamentais das pessoas.

As leis, a Constituição Federal infelizmente não são as mesmas para todos. A justiça é justa para poucos. Os direitos de alguns são mais importantes que de outros. Lutar pela terra é crime. Mas não é crime a situação daquela pessoa que vive em condicoes sub-humanas nas favelas, sem dignidade nenhuma, sem comida. Furtar é crime. Mas não é crime quando o Estado amontoa milhares de presos e presas numa lata, os tortura impunemente, e viola todos seus direitos previstos nas leis. Temos dois Países: o País dos privilegiados, dos que têm acesso à riqueza, à cultura, ao lazer, aos bens materiais, às melhores oportunidades e o País dos esquecidos, que não têm direitos, não têm oportunidades, e ainda são criminalizados.

Devemos mudar, acredito que estamos avançando, mas é preciso muito mais, não podemos permitir retrocessos nas conquistas dos direitos.

Precisamos acabar com a segregação racial. Vejamos os direitos dos índios, como têm dificuldade para ser implementados. Vejamos a diferença entre os salários de negros e brancos. Vejamos os preconceitos que os nordestinos ainda sofrem no sul. A discriminação que sofrem as mulheres. Isso tudo ainda existe, é verdade, tristemente sentido no cotidiano.

Somos um País extremamente desigual na distribuição de renda. Somos top 10 no ranking de desigualdade. Num país com 200 milhões de habitantes, os 10% mais ricos detêm 50% da riqueza. Os 10% mais pobres, apenas 1% dessa riqueza. Os moradores de favelas pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos.

4 milhões de famílias no Brasil precisam bos benefícios de uma reforma agrária. Sem contar outros milhões que vivem em condicoes sub-humanas e que precisam de mudanças.

Nosso mundo tem 1 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 2 dólares por dia. No Brasil, são 7,5 milhões de pessoas que vivem na linha da pobreza.

Para mudar essa realidade, precisamos democratizar cada dia mais o poder econômico e o poder político. Não permitir que o capital econômico mande nas políticas dos países, em detrimento das conquistas e avanços sociais.

Não dá para ficarmos tranquilos diante de tanta injustiça. Porque preferimos a anestesia à luta? Porque não deixemos de lado um pouco nosso conforto para pensarmos e agirmos por uma sociedade melhor?

Viajo para a Amazônia para colaborar, como cidadão e advogado, com as comunidades ribeirinhas, os índios, a questão ambiental. A discussão que está em voga hoje é a ambiental e, realmente, ela se faz necessária e urgente.

A natureza cada vez mostra com mais forças seu poder e sua revolta contra o que fazemos com ela. Utilizamo-la com interesse econômico e sem preocupação com os demais seres que nela vivem. Não nos preocupamos com o amanhã. E ela não está feliz com isso. Lembremos dos tsunamis, dos furacões, dos terremotos, dos deslizamentos.

Olhemos para nossa cidade de São Paulo, nesse mês de janeiro, o tanto que choveu. Os estragos das chuvas nos lugares mais precários. Infelizmente os efeitos climáticos atingem de forma pior os mais pobres, os que moram em áreas de risco, nas beiras dos rios.

Insistimos em desmatar nossas florestas. Somos o 5º pais no mundo que emite mais gases poluentes e 75% desses gases vêm do desmatamento. Matamos nossa floresta para alimentar o mercado externo, americano e europeu. Faz sentido isso?

Do que adianta exercitarmos uma consciência ecológica se não questionamos nosso próprio anseio consumista que desgasta a capacidade da natureza e acelera a degradação do meio ambiente? Devemos exigir de nos sacrifícios pelo bem da sobrevivência da natureza e nossa também.

Apenas para exemplificar, com situações cotidianas: será que precisamos ter 50 pares de sapatos em nossos armários? Dezenas de peças de roupas que depois ficam armazenadas? Será que todos precisamos de carro em detrimento do transporte público? Precisamos tomar duas vezes ao dia banhos de 30 minutos? Devemos pensar que nosso padrão de consumo gera desigualdades e agride a natureza, e é preciso abdicar desse modelo.

Sinto nessa minha escolha um pouco de negação, ainda que temporária, do modelo civilizatório ocidental consumista e destrutivo em que vivemos – e, pior, que achamos bom. Desejo buscar na natureza, com os índios, valores humanos que se sobreponham às ilusões da civilização.

Penso que, diante de toda a realidade miserável que pude ver, não posso ficar inerte, tocando minha vida como se a vida do outro nada tivesse a ver com a minha. Me sinto na obrigação de colaborar com nosso povo.

Não é preciso ir até a Amazônia para mudar essa realidade social brasileira. A cidade de SP está cheia de problemas a serem resolvidos, e todos vocês podem colaborar para mudar essa situação. Visitem a favela do moinho, o jardim pantanal, uma unidade prisional. Certamente lá existem muitos problemas e as pessoas precisam de ajuda!

Mas, nem só de lutas vive o homem. Quero viver, escrever uma gostosa poesia de minha vida. Poder respirar um ar puro, contemplar a mata e os animais, estar em contato com culturas diferentes, jogar mais futebol, estar no paraíso natural. Como diz a poesia do sambista Candeia, cantada na voz de Cartola: “deixe-me ir, preciso andar, vou por ai a procurar, sorrir pra nao chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas do rio correr, ouvir os pássaros cantar, eu quero nascer, quero viver”.

Para terminar, dois lindos poemas do nosso querido dom Pedro Casaldaliga, grande figura que me inspirou profundamente e a quem tive a enorme felicidade e privilégio de conhecer em São Felix do Araguaia:

Deixo aqui um convite para que todos venham visitar a Amazônia. Para quem quiser conhecer o paraíso. Não se arrependerão. As portas lá sempre estarão abertas a vocês. Espero vocês numa visita.

Muito obrigado por virem, quero dar um abraço em cada um de vocês!

11 comentários:

Marcos Royer disse...

Que Deus o receba no Reino da Glória!

Tereza disse...

Infelizmente, foi a perda de um jovem idealista.
Que Deus possa confortar os familiares e amigos.

SARAIVA disse...

ENQUANTO A TERRA PERDE UM GRANDE HOMEM, O CÉU GANHA UMA ALMA ILUMINADA.
QUE DEUS O ABENÇOE E E CONFORTE SEUS FALMILIARES.

Renato disse...

Que Deus conforte seus familiares e amigos .... e que sua alma iluminada brilhe como uma linda estrela.

ANTONIO LOPES disse...

Só para quem tem FÈ faz o que este jovem fez e faz, pai deputado federal é advogado, deixou tudo e foi viver com os índios e defender seus direitos, os mais lascados na sociedade que sempre exclui os pobres.
A riqueza maior é daqueles que se faz pobre entre os pobres
Parabéns ao Paulo e Alice pai e mãe que deram aos filhos este ensinamento

Hélio Jacinto Pereira disse...

O texto é belissimo, me deu vontade de conhecer a Amazonia.
Este jovem nos deixa uma grande lição de vida.
Ao Deputado Paulo Teixeira meu pesar por este triste acontecimento.
Mas a vida continua e nos que aqui ficamos, devemos cntinuar a luta por um pais mais justo.

Tite Borges disse...

São pessoas como vc que mantém nossa fé no genero humano.
Exemplo marcante que permanecerá.
Aos pais, a certeza de ter participado com exito da construção de alguém tão especial.
Tite Borges

Reynaldo Ximenes Carneiro disse...

Estou em oração para que possa a família que tem fé conformar-se com o golpe sofrido. O Deputado Paulo Teixeira, cidadão que honra e dignifica o Congresso Nacional, certamente, colherá do infortúnio força para continuar a sua luta pelos desprotegidos. Conheci-o em Belo Horizonte e a partir daí acompanhei suas posições vanguardeiras. Deus lhe dê e a sua esposa e demais familiares luzes e bênçãos para que superem a perda irreparável. Reynaldo Ximenes Carneiro

denise tavares disse...

Não sei se é possível algum consolo nesta hora. Temo que não. Mas, para quem acompanha a dura realidade da classe política brasileira, é confortante vermos que ainda existem pessoas no PT que, apesar de tudo, mantém-se fiéis aos princípios e políticas que nos fizeram sonhar este Partido. Na verdade, ainda acredito que a maioria dos petistas é muito mais próxima das origens do que nossa lamentável grande imprensa divulga. Não insistissem tanto em mostrar um só lado, quem sabe nossos jovens teriam um pouco de esperança. A vida e coragem deste rapaz que, infelizmente, foi embora tão cedo, é uma prova disso.

Luiz Otavio Guimaraes disse...

Infelizmente perdemos mais um voluntario que realmente se preocupava com o bem geral.

Infelizmente, tambem vejo que chega tarde o reconhecimento de todo o esforco dedicado a causa crista e ecologica que esse jovem vinha fazendo. Talvez por ser filho de deputado a noticia tenha chegado mais rapido e bem mais acompanhada pela midia.

Existem outros jovens dedicados as causas "dificeis" como exclusao social, abuso de menores, escravidao, violencia contra a mulher, violencia contra o indio, violencia contra a natureza, violencia contra os palestinos, exploracao de madeira, etc....

Que a familia possa sentir algum conforto e que Deus traga resiliencia nesse momento tao dificil. Afinal, nao existe perda aceitavel, so quem ja perdeu um ente amado sabe disso.

Etienne Cristina disse...

Paulo e Alice, quero neste momento de dor profunda, dizer á vocês que estou em oração para que o SENHOR possa confortá-los. Saibam que foram escolhidos por DEUS para receberem um anjo para chamá-los de Pai e Mãe. De tempos em tempos DEUS envia um anjo à Terra, e vocês tiveram a bênção de receber o Pedro. Apesar de tantos anos sem vê-lo, me lembro dele com muito carinho. Durante nossa infância, brincamos muitas vezes juntos. Por eu ser a mais velha, quando vocês e meus pais saiam para reuniões, me deixavam responsável pelas crianças, o Pedro era sempre o líder das brincadeiras. Só tenho recordações felizes daqueles tempos. Ele foi um ser muito especial, e sem dúvida cumpriu sua missão aqui. Assim como minha Zildinha que também foi um anjo enviado. Mas após nos ensinarem coisas boas, o SENHOR os quer de volta alegrando o céu. E assim ficamos nós aqui, com a saudade, os bons ensinamentos e boas lembranças. Depois de sofrer muito com a perda da Zilda, aprendi que devo agir diferente, agradecer à DEUS por ter me presenteado com a presença dela em minha vida. Isso nos dá mais forças para entender os proprósitos e mistérios que o SENHOR têm para nós.
Abraços na Ana, no Caio, Lalá e Manu.
Com carinho
Etienne